Apontamentos acerca do massacre em escola russa
Dante Felgueiras - Publicado em 27.09.2004
A república da Tchetchênia, localizada nas montanhas do Cáucaso, tem aproximadamente 900 mil habitantes muçulmanos. Ao longo dos anos ela foi invadida por mongóis, iranianos e russos. O primeiro ataque russo ocorreu no século XVI. Os imperadores russos tinham em mente conquistar todas as terras muçulmanas e impor a religião ortodoxa. A primeira resistência foi liderada por Shaykh Mansur, herói tchetcheno que declarou jihad contra os russos e morreu em uma prisão. A Tchetchênia, desde então, vem sendo dominada e devastada pela Rússia, primeiro sob as mãos dos czares e depois Stálin, na época da URSS. Ao implantamento da glasnost (abertura política) e da perestroika (abertura econômica) nos anos 80 por Mikhail Gorbachev, os tchetchenos viram uma chance de independência. Em agosto de 91, enquanto a URSS ruía, os tchetchenos, sob liderança de Djokar Dudaiev, convocaram um plebiscito e declararam independência. Em 94, Ieltsin, ex - primeiro ministro russo, ordenou a destruição parcial da capital tchetchena de Grosny. 30 mil pessoas, um saldo quase cem vezes maior que os atuais ataques à escola em Beslan, foram brutalmente assassinadas. 400 mil civis se tornaram refugiados.
Agora paremos para refletir. Uma ferida aberta por séculos não se fecha facilmente. Os terroristas não podem ser vistos exclusivamente como monstros, mas também como vítimas de um processo histórico marcado com sangue. Nessa época, tchetchenos movidos pelo fundamentalismo islâmico fizeram alguns atentados em Moscou, que até hoje não reconhece a independência da região. Em setembro de 99, o então primeiro-ministro e ex-espião da KGB, Vladimir Putin ordenou mais ataques à Tchetchênia.
Vamos ao ponto crucial: o seqüestro. Não existe razão em recontar o caso assombroso. Entretanto existe um detalhe importante que não foi tratado com força pela grande mídia. Putin ordenou o cerco ao prédio ocupado pelos seqüestradores justamente quando se preparavam as negociações, resultando nos 376 mortos e 600 feridos. Até aquele momento 26 reféns já tinham saído. Mas por quê? A Tchetchênia não tem muitos recursos naturais. Todavia ela tem o que interessa as grandes potências. Reservas e rotas de exportação de petróleo. Muito petróleo. Quando afirmou a impossibilidade de negociações com terroristas, o presidente russo usou o mesmo discurso que George W. Bush porque perdendo a Tchetchênia perderá uma das maiores reservas de petróleo do mundo.
O problema está posto. São os interesses econômicos da segunda maior potência bélica do planeta contra os anseios por liberdade de um povo massacrado, movido muitas vezes por um monstruoso fundamentalismo religioso.
Todo fundamentalismo, seja político ou religioso, acredita ser detentor de uma verdade única, absoluta. Esta incompreensão das culturas alheias é muitas vezes causadora dos desastres sociais que assolaram a história da humanidade. Não devemos tratar assuntos como este com distanciamento e medo. Medo social gera mais violência. Ao conhecer as outras culturas podemos melhor compreender o mundo em que vivemos e melhor buscar formas de melhorá-lo, moldando-o de forma igualitária. Devemos refletir nessa transformação que acontece atualmente. As grandes potências estão cada vez mais submetendo as outras às suas autoridades e enrijecendo-se. Quem sabe esta não é uma forma de criar a tão abominada destopia Orwelliana, a qual nada respeita, nada preza e tudo vê?
FONTE: www.duplipensar.net/.../
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