28 agosto, 2008

Texto complementar Gabriel Arcanjo 9º ano sobre os Tigres Asiáticos

Modelos para o Brasil: Tigres asiáticos?

por João Fábio Bertonha

Escrever a respeito dos chamados “tigres asiáticos” é bastante complicado, pois o próprio termo é sujeito a interpretações diversas. Alguns economistas, por exemplo, acreditam que Japão, China e até a Índia poderiam ser incluídos nesta rubrica. Para outros, poderíamos falar dos tigres “clássicos”, como Hong Kong, Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura e dos neo-tigres, como Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas. Tal amplitude do termo pode dar margem a confusões, pois, se é verdade que a experiência asiática tem muitos pontos em comum, não é possível associar países em estágios de desenvolvimento diversos numa análise única.

Assim, os comentários neste artigo se centrarão nos tigres “clássicos”, sendo os outros países mencionados apenas quando for conveniente em termos de comparação. Não obstante, mesmo os quatro países englobados neste termo - Hong Kong, Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura – também não são iguais entre si. Pelo contrário, em várias questões eles estão em campos opostos, como na questão da democracia, na intervenção estatal na economia, etc. No entanto, eles têm semelhanças suficientes para que sejamos capazes de, ao menos, extrair algumas conclusões gerais da experiência deles.

E é uma experiência que merece realmente ser conhecida e analisada. Entre 1960 e 1995, estes países multiplicaram sua renda per capita por oito, enquanto os da América Latina apenas a duplicaram. Todos os índices sociais cresceram junto com o aumento da produção e das exportações e estes países estão, hoje, no rol dos desenvolvidos ou, no mínimo, chegando perto.

A receita para este crescimento não foi nada excepcional. As lideranças desses países, ameaçadas pelo espectro do comunismo e decididas a modernizar e transformar seus países e sociedades, fizeram uma avaliação realista das suas possibilidades de crescimento. Focar na exportação de minérios ou produtos agrícolas era inviável para nações com escassa área agricultável e quase nenhum produto mineral relevante. A saída era entrar no mercado internacional de manufaturados, mas simplesmente competir livremente neste mercado era inviável, já que não havia, inicialmente, mercado consumidor interno, empresas, base tecnológica, etc. Os trunfos dos tigres asiáticos eram a proteção dos Estados Unidos e o acesso fornecido por eles ao mercado internacional, a mão-de-obra barata, a máquina do Estado e uma ética de trabalho, além da vontade de modernização.

Montou-se, portanto, um modelo voltado para as exportações. Havia a certeza do mercado consumidor externo e procurou-se atrair capitais internacionais que se interessassem em utilizar a mão-de-obra barata local para criar plataformas de exportação de brinquedos, têxteis, etc.

O Estado, neste contexto, interveio em peso para promover as exportações. As nascentes empresas receberam incentivos fiscais, crédito barato, subsídios, proteção cambial e outras benesses. O Estado também procurou investir na infra-estrutura e na formação de capital humano, com maciça inversão de recursos na educação superior e na ciência e tecnologia, mas, acima de tudo, na educação básica e média. Ao mesmo tempo, o Estado manteve disciplina fiscal, inflação baixa e práticas de livre mercado, como preços livres e a concorrência. O próprio foco no mercado internacional, além disso, obrigou as empresas nacionais a ser competitivas.

Com isto, podemos caracterizar a economia dos tigres asiáticos como uma combinação entre o livre mercado e um Estado desenvolvimentista. Nem uma economia liberal, que deixaria tudo nas mãos do mercado, nem uma economia centralizada. Uma economia capitalista, de livre iniciativa, mas com um projeto nacional e um direcionamento por parte do Estado, numa combinação que deu certo. A única possível exceção foi Hong Kong, mais liberal, mas que tinha, contudo, a imensa vantagem de servir de porto franco para toda a China.

Nesse ponto, vale uma comparação com o Brasil. Durante alguns anos, por exemplo, tivemos uma reserva de mercado para a informática. As empresas nacionais que surgiram à época se acomodaram e, mesmo que tivessem tentado sofisticar seus produtos e exportar, esbarrariam em dificuldades de financiamento, escassa mão-de-obra qualificada, etc. O resultado foi uma indústria de computadores tímida, acomodada e que entrou em crise logo que as barreiras alfandegárias caíram.

Já na Coréia ou em Taiwan, por exemplo, as empresas tiveram a proteção das barreiras alfandegárias, mas a clareza de que essa situação não duraria para sempre e que elas logo teriam que competir no mercado mundial. O Estado, além disso, forneceu condições para a competitividade e cobrou intensamente que esta se desse. Diferença significativa, que explica porque estes dois países se tornaram potências na área tecnológica enquanto os brasileiros, durante o período da reserva de mercado, se esforçavam para contrabandear seus micros do Paraguai.

Em 1997/1998, uma severa crise atingiu os tigres asiáticos. Para os liberais, uma prova de que intervencionismo estatal não funciona e que as leis de mercado finalmente trabalhavam para colocar os asiáticos no seu devido lugar. Os liberais tinham razão quando ressaltavam que o sistema financeiro dos tigres asiáticos estava cheio de problemas e defeitos, como pouco rigor em empréstimos, uma relação quase incestuosa com as empresas, etc. Também tinham razão ao indicar que uma economia moderna demanda um sistema bancário menos concentrado, com critérios mais sérios para concessão de empréstimos, etc.

No entanto, a crise nestes anos não indicou o fim do modelo asiático, mas a necessidade de reformá-lo. Afinal, mesmo com tantos defeitos, ele funcionou bem por décadas e, mesmo após 1998, a recuperação desses países foi rápida. Afinal, havia uma base produtiva de última geração abaixo das crises políticas e financeiras. Os governos asiáticos, além disso, não seguiram todo o receituário do FMI e, após um primeiro momento de crise intensa por causa da desvalorização cambial, a situação começou a melhorar.

O enfraquecimento da moeda permitiu uma rápida expansão das exportações e os governos asiáticos reduziram os juros e começaram a gastar dinheiro público para sanear o sistema financeiro e estimular a economia. A própria disciplina fiscal desses países permitiu, aliás, que eles se permitissem um momento de liberalização das finanças públicas num momento crítico. Isso apenas revela como seguir o receituário liberal ao pé da letra nem sempre produz resultado, mas como segui-lo em parte pode ser muito produtivo em alguns casos.

O futuro dos tigres asiáticos, hoje, me parece promissor. Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong superaram a fase de exportadores de produtos de uso intensivo de mão-de-obra e já estão no mundo da indústria de ponta e de alta tecnologia. Agora, eles podem se dar ao luxo de abrir um pouco seu mercado (o que é louvável, no atual estágio do seu desenvolvimento, para ampliar ainda mais a sua competitividade e melhorar o nível de vida), confiar mais no consumo interno como motor do crescimento (mas sem esquecer as exportações), enquanto suas sociedades, mais sofisticadas, começam a demandar por um sistema político menos corrupto e mais democracia.

Um ciclo, assim, se fecha. De exportadores que só tinham a mão-de-obra barata para economias e sociedades mais sofisticadas, que transferem indústrias menos competitivas e capitais para seus vizinhos pobres. Um processo que começou no Japão, seguiu para os tigres e agora segue para os neo-tigres e a China. No futuro, possivelmente, Vietnã, Birmânia e outros entrarão no processo.

O que podemos aprender da experiência dos tigres asiáticos? Em primeiro lugar, a necessidade de uma sinergia entre um Estado minimamente eficiente (o que não significa esquecer o caráter corrupto e autoritário da maioria desses países nas últimas décadas) e capaz de conduzir um projeto nacional com um setor privado forte e competitivo. Em segundo, como não se constrói um país moderno sem ciência, tecnologia e educação, mas como estas precisam estar inseridas no sistema produtivo, sob risco de desperdício de potencial humano. Por fim, que valores como os dos asiáticos (trabalho, disciplina, visão de futuro) são fundamentais para o desenvolvimento, mas que o desenvolvimento é possível em qualquer lugar. Isso, claro, desde que as elites que tomam as decisões não se contentem com a sua riqueza e poder, mas desde tenham vontade de ver o país como um todo crescer, adotando as políticas adequadas para tanto.


FONTE: http://www.espacoacademico.com.br/084/84bertonha.htm

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